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Foto do escritorCintia Mano

Percebendo e reagindo ao momento pandêmico – as armadilhas nossas de cada dia


No final de março eu ia publicar mais um artigo aqui, mas foi realmente impossível. O assunto do momento naquela altura me parou. Não fiquei doente, até agora, mas como muitos, eu estava tentando apoiar meus filhos na repentina escola online, lendo o máximo que podia sobre o vírus, a doença, curvas e estratégias, tentando entender o quadro geral, e me envolvendo com pessoas e empresas que tentavam fazer algo para ajudar.

Sempre que eu corria o olho pelo LinkedIn eu sentia um estranhamento. Conteúdos que não abordassem a pandemia me pareciam descabidos. Por outro lado, já havia tanta gente sabendo tanto sobre a pandemia e seus impactos… Tantas dicas sobre home office, tantos negócios instantaneamente reinventados. Alguns achando que a humanidade agora levaria jeito e outros temendo nosso fim.

Por muitos dias pensei “será que estou exagerando? Será que nada mudou? Ou será que tudo mudou e todos já se adaptaram menos eu?”

Durante os últimos dois meses eu mantive as atividades no meu trabalho, as atividades como investidora anjo e também as mentorias. Mas muita coisa foi diferente.

Conversei muito mais com colegas, clientes e amigos. Pessoas em diversos lugares do mundo e, por isso, vivendo a pandemia de diferentes formas e em diferentes estágios. As mentorias foram dominadas pelos assuntos incerteza, futuro, transformação digital, motivação, produtividade, gestão de tempo. E destas conversas, reuni alguns pensamentos que depois compartilhei entre mentorados e amigos. Muitos estão preocupados com o impacto nos negócios, sua produtividade, tempo de reação, ajustes em suas carreiras, e todos nós imersos num cenário de muitas dúvidas sobre o futuro.

Algumas destas pessoas sugeriram que eu publicasse esse material e é o que faço aqui, com alguns ajustes. Que possa ajudar a quem também vivencia algum estranhamento e uma certa paralisia.

Como viver uma mudança para o desconhecido?

Se você já teve algum contato com os temas de gestão de mudança, deve reconhecer as fases de negação, resistência, aceitação, engajamento… Atualmente já são muitos os modelos que pretendem descrever como a mudança ocorre, tanto nas organizações, como nos indivíduos.

Normalmente são modelos que descrevem mudanças com estágio final conhecido, ou pelo menos desenhado. “Vamos integrar os processos de uma empresa recém adquirida”, “vamos trocar a ferramenta A pela B”, “preciso mudar de cidade se aceitar este emprego” ou ainda “vou trazer meus pais para morar comigo”. São situações em que se conhece o estado atual e se prevê um estado final.

Mas e quando o estado final não está definido? Quanto tudo o que temos é um conjunto de hipóteses, algumas pessoas gritando certezas e outras afirmando tranquilamente ser impossível prever qualquer coisa?

Só que durante toda essa incerteza, a vida não para. Bebês nascem, casais decidem se separar, pessoas aceitam empregos em outro país e precisam mudar com a família antes do fechamento de fronteiras. Tenho um amigo que passou por isso e teve cinco dias entre o sim e o voo. Cinco dias para planejar e executar a mudança de país com a família.

E como desfazer uma sociedade pelo Zoom? E novos negócios, prontos para serem lançados? Investimentos em fase de assinatura, contratos… cancelar? Suspender? Até quando?

Compilei aqui uma lista (não exaustiva, obviamente) de seis armadilhas que observei nas minhas inúmeras conversas nestes dois últimos meses. Considero armadilhas porque ou nos mantêm num estado de paralisia ou nos lançam a uma ação contínua desenfreada, sem muito norte e, portanto, com alto gasto de energia e pouco resultado. O que pode nos paralisar novamente. São comportamentos que se alternam e, pela minha observação, não são necessariamente lineares.

ARMADILHAS NA PERCEPÇÃO

1 – Achar que nada vai mudar de verdade, que daqui a pouco tudo volta O comportamento negacionista é comum em processos de mudança. Um dos problemas da negação é que, quanto mais demoramos para reconhecer a mudança, mais demoramos para agir sobre ela. E com isso somos atropelados. Em vez de protagonistas, somos coadjuvantes ou, às vezes, nem isso. Sim, algumas pessoas estão encarando a quarentena como férias, ou uma programação especial. Pode até ser que sua rotina, seu dia-a-dia, volte a ser parecido com o que era antes. Mas só no curto prazo. Se não perceber como o mundo está mudando, como em alguns setores as mudanças já iniciadas serão aceleradas e, em outros, muitas mudanças serão interrompidas, seu médio e longo prazo estarão seriamente comprometidos.

Estamos mesmo diante de um cenário nunca experimentado na nossa história de vida. É de se esperar uma certa demora em reconhecer o impacto disto em cada uma das dimensões da nossa vida. Mas é fundamental ter a consciência de que o mundo não é mais, e por algum tempo não será, como era até fevereiro de 2020. Sem apavorar. Apenas a consciência para começar.

2 – Procurar saber tudo sobre o assunto Por umas duas semanas eu só consumi notícias, artigos científicos e mensagens sobre COVID-19. Depois eu fui fazendo uma seleção do que ler, escolhendo fontes etc. e sou muito grata por ter amigos inteligentes e antenados que me enviaram conteúdo de muita seriedade e qualidade. O conteúdo sobre pandemia é importante, claro. Principalmente para proteger a si e aos seus e também para ter o mínimo de embasamento para acompanhar e questionar (tão importante questionar) as notícias. Para quem gosta de estudar é uma tentação ficar ali se informando indefinidamente, mas como eu não trabalho com isso, precisei delimitar até onde ia meu estudo para poder voltar à vida.

3 – Formar uma opinião prematura Já surgiram e ainda vão surgir muitos gurus, alguns profetas do caos e outros que escrevem artigos apenas para dizer que tem um ponto de vista diferente. Fuja disso, eles não têm nada a ver com a sua vida e não estarão ali para você quando suas teorias se comprovarem – e menos ainda caso elas não se comprovem.

Logo no início, eu percebia pessoas muito otimistas, e outras excessivamente pessimistas. Ficava com a impressão de que ainda haveria muito para refletir e que naquela altura era impossível ter opiniões tão formadas, pois ainda precisávamos de tempo, dados e informações das quais não dispúnhamos.

À medida que temos acesso a esses novos dados e fatos, vamos mudando nossa opinião, vamos criando novas camadas de conhecimento e incorporando suas consequências nas nossas vidas. Normal e esperado. E é bom que seja assim. Com a nossa possibilidade de expressão em redes sociais, fica parecendo que precisamos ter opinião sobre tudo. Não precisamos. Às vezes a gente pode dizer: não sei, não tenho opinião formada.

ARMADILHAS NA REAÇÃO 4 – Só sei que nada sei, então … Quanto mais eu consumia conteúdo sobre a pandemia, mais eu percebia que muita coisa poderia mudar. Algumas radicalmente, outras nem tanto. Algumas temporariamente, outras talvez não. E que nem os especialistas conseguiam elaborar projeções. Recapitulei todas as principais decisões tomadas nos últimos 6 meses. Decisões referentes a carreira, trabalho, investimentos, finanças pessoais, família. E ia ficando feliz com algumas decisões e apavorada com outras.

Será que todas essas decisões ainda faziam sentido nesse novo tempo? Ou ainda, será que ainda fariam uma próxima fase? Que próxima fase?

Então, diante de tanta ignorância e incapacidade de definir ações, vamos relaxar. Distrair. Afinal, há tantas “lives”, e cursos, e séries e livros para pôr em dia. Distrações são necessárias, claro. Mas se são só distrações, se não trazem uma mínima reflexão ou provocação, você continua ali, preso na Terra do Nunca. Se você está agora na Terra do Nunca, coloquei no final do artigo uma lista de ideias. Vai que alguma te ajuda…

5 – Reinvenção imediata Fiquei mesmo impressionada com a quantidade de gente que reinventou seu negócio ou sua atividade profissional em uma semana. Eu acho muito, muito positiva mesmo a energia, a disposição e a vontade de reagir a mudanças tão profundas.


Mas alguma informação e reflexão são necessárias nesse redirecionamento. Profissionais e negócios indo para o digital. Ótimo, realmente acredito numa tremenda aceleração digital. Mas para o seu negócio faz sentido fazer isso imediatamente? É uma questão temporária? Ou definitiva? Vale a pena investir tempo e dinheiro para fazer uma coisa mais definitiva, profissional, ou trata-se de aproveitar uma oportunidade de curto prazo? Você tem as competências necessárias dentro de casa? Precisa desenvolver novas habilidades nos seu time? Vai contratar novos serviços ou procurar algum parceiro?

6 – Cobrar-se reação e produtividade Algumas pessoas conseguem digerir muita informação ou ainda informação de alto impacto mais rapidamente que outras. Outras conseguem compreender rapidamente, mas levam mais tempo para reagir. Respeite seus tempos. Eu, por exemplo, apesar de conseguir consumir informação e entender a situação de uma forma relativamente rápida, demorei, neste caso específico, para conseguir reagir. Não conseguia foco para formar opiniões, para ler coisas mais profundas ou para dedicar um tempo à reflexão. Entre querer escrever este texto e conseguir, levei mais de quatro semanas. Isto realmente não sou eu. Eu estive muito operacional durante este tempo. Não me deprimi, não parei a vida, mas consegui tocar apenas as tarefas, as atividades.


Os únicos momentos em que eu consegui parar para refletir foram as sessões de mentoria e as conversas com amigos e familiares. Ouvir outra pessoa, seus pontos de vista, suas preocupações, e tentar trazer pergunta, informações e ferramentas que a ajudassem, foi a única atividade que eu consegui desempenhar com foco e profundidade. Então, não se cobre uma produtividade maior que a usual. Na verdade, é bem compreensível que sua produtividade caia. A depender da sua casa, das pessoas que moram nela, há muita adaptação a ser feita. Crianças em aula online, tarefas domésticas, trabalhar em home office, um convívio familiar maior do que antes. Tudo isso terá implicações boas e ruins. E depois da adaptação, haverá o cansaço. Então, cuidado com os extremos. Não será tudo fantástico e também não será tudo um desastre. Mas num cenário de tanta incerteza, como reagir? Por onde começar? Comece pelas certezas que existem dentre tantas incertezas. Porque elas existem. Quem você é, os relacionamentos bacanas que construiu, sua força mental, suas experiências de vida e aprendizados. Nenhum vírus, pandemia, ou lockdown tira isso de você. Isso é você. O que você vai fazer com isso daqui por diante é muito importante, mas ganhe consciência disso tudo antes de sair tomando atitudes. Se preciso for, faça uma lista de tudo que você tem e que não muda com ou sem vírus.

Depois pense no seu negócio ou carreira. Você pode estar vivendo um impacto severo na receita da sua empresa e, claro, deve se preocupar. Então se informe, converse com parceiros, clientes, concorrentes até. Nestas ocasiões, concorrentes podem até virar parceiros. Leia o que especialistas dizem sobre a indústria. Sempre com aquele cuidado né? Uma imobiliária vai querer dizer que imóveis são o refúgio dos investimentos, nunca que as vendas despencaram... Quais as análises estão sendo feitas sobre sua indústria? Fazem sentido? Tem mais gente falando isso? Vai mudar muito, pouco, nada? Por quanto tempo? Nem todas as startups em que invisto foram impactadas. Algumas até estão vendendo mais do que antes. Com o passar do tempo as incertezas vão diminuir e se você estiver consciente da realidade do seu negócio, pode adaptar planos ou promover mudanças.

E faça tudo isso cuidando de quem está perto ou de quem mais precisa. Cuidar do outro é uma forma de se cuidar também.

E quando voltar ao normal? Na minha visão, dificilmente teremos uma vida próxima ao que tínhamos até fevereiro de 2020. Não pelos próximos meses. Temos que nos preparar para um novo normal. As relações, o consumo, o papel das empresas, do governo... até que voltem ao nosso conhecido normal, vai demorar. Então, não criemos a expectativa de que em algumas semanas ou meses teremos a vida de antes. Mesmo que os governos comecem a afrouxar as medidas de contenção, as pessoas terão medo. Algumas vão estranhar aglomerações, outras terão perdido hábitos de consumo durante a quarentena. Quem voltar a esse “novo normal” mais consciente, tendo aproveitado a quarentena para se desenvolver, refletir e planejar a retomada, sem dúvida voltará melhor. ================================================================= Ideias para voltar da Terra do Nunca

  • Estudar: aquele curso que você sempre quis fazer, lembra? Tem um monte online e alguns de graça.

  • Conhecer novos lazeres ou retomar antigos: tem gente aprendendo (finalmente) a cozinhar. Outros, tirando a poeira do violão, encostado há anos.

  • Aproveitar a melhor a convivência com os seus parceiros de confinamento – se você tem filhos e pensava “nossa, queria ter mais tempo com meus filhos”. Pronto, chegou seu presente!

  • Aproveitar a convivência virtual: eu moro longe de muitos amigos queridos e sabe que nunca nos falamos tanto por WhatsApp ou Zoom? Porque agora eu não sou mais a única ou uma das poucas distantes. Porque agora estamos todos distantes fisicamente.

  • Desenvolver novos hábitos: quer melhor momento do que este para criar novos hábitos? Ou despedir-se de hábitos ruins? Não tem mais a desculpa do trânsito, da “correria”. No mínimo a hora do deslocamento você ganhou. Fora o tempo em se arrumar. Sabe quando você lamentava que um filho não ajudava nas tarefas da casa? Ótima oportunidade. O outro tem dificuldade de relaxar antes de dormir? Aproveita para criar um ritual. Claro, não exagere, um hábito de cada vez. Se você prometer que vai na mesma semana aprender a meditar, aumentar a quantidade de água, ler duas horas por dia e passar creme no rosto antes de dormir, seu cérebro vai se confundir e achar que mudou de corpo.

  • Refletir: tempo pra pensar. A gente se queixa tanto da falta de tempo para pensar. Há muito o que pensar!

- Sobre seu negócio ou sua carreira: veja bem, não estou falando sobre reinventar a si ou seu negócio

em um fim de semana e anunciar aos quatro ventos o quanto você já compreendeu tudo, organizou

as ideias e já está trabalhando em nova direção! Não acredito nisso. Mas acredito num processo de

reflexão, elaboração de cenários e escolha de ações.

- Sobre as mudanças que está vivendo: tanto no seu cotidiano, nas suas relações e como o que está

observando no mundo.

- Sobre seu impacto sobre as pessoas que lidera e influencia, como sua comunidade, família e

amigos. Uma pessoa calma, centrada e atenta, transmite muita segurança e acalma seu time, seus

familiares e amigos.

  • Ajudar: ajude quem precisa. Se puder doar dinheiro para uma causa séria e importante, faça isso. Se não puder doar dinheiro, ajude com a divulgação. Se puder doar tempo, doar ouvidos, atenção. Se puder ouvir um amigo em dificuldade para ajudá-lo a pensar. Às vezes não nos damos conta do quanto uma conversa pode impactar positivamente o outro.


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